Pioneiras da Ciência no Brasil - 5ª Edição

Em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), o CNPq lança hoje a quinta edição das Pioneiras da Ciência no Brasil. O Programa Mulher e Ciência já lançou  quatro séries de verbetes sobre as pioneiras das ciências no Brasil, com a divulgação do trabalho de várias cientistas e pesquisadoras brasileiras que participaram e contribuíram de forma relevante para o desenvolvimento cientifico e a formação de recursos humanos para a ciência e tecnologia no Brasil.

O Programa Mulher e Ciência agradece mais uma vez a contribuição de vários/as pesquisadores/as, professores/as, analistas em ciência e tecnologia do CNPq e instituições que sugeriram nomes e colaboraram na produção dos verbetes aqui publicados. Ressalte-se que um dos objetivos principais do Programa Mulher e Ciência é contribuir para a criação de espaços de visibilidade para as mulheres cientistas e as suas contribuições nas diferentes áreas do conhecimento.

Com a continuidade da divulgação da história e memória das pesquisadoras e cientistas brasileiras, solicitamos a sua colaboração no mapeamento de outras cientistas que tenham trabalho  relevante e ainda pouco divulgado ou, então, em relação a outras ações que possam contribuir para o incentivo e divulgação das mulheres nas ciências. Escreva para a equipe do Programa Mulher e Ciência pelo endereço:

programamulhereciencia@cnpq.br  

Ayda Ignez Arruda (1936-1983)

  • Ayda Ignez Arruda nasceu em Lajes, Santa Catarina, no dia 27 de junho de 1936, filha de Lourenço Waltrick Arruda e Izabel Pereira do Amarante.

    Bacharelou-se em matemática em 1958 e concluiu a sua licenciatura no ano de 1959, ambos na Faculdade de Filosofia da Universidade Católica do Paraná. Obteve o título de doutora e livre-docente com a tese "Considerações sobre os Sistemas Formais NFn", sob a orientação do professor Newton C. A. da Costa, na Universidade Federal do Paraná, em 1966.

    Iniciou sua carreira acadêmica na Universidade Federal do Paraná como professora de Análise Matemática e Superior na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, no ano de 1960.

    Arruda manteve contato com lógicos e matemáticos do exterior e do Brasil durante a sua formação científica. Dentre eles, destacamos os professores: Marcel Guillaume, da Université de Clermont-Ferrand da França; Antonio Monteiro, da Universidade de Bahía Blanca, Argentina; Andrés Raggio, da Universidade de Córdoba, Argentina; e Mário Tourasse Teixeira da Faculdade de Filosofia de Rio Claro, São Paulo.

    Em 1968, transferiu-se para Campinas, no estado de São Paulo para assumir como professora titular da área de lógica e fundamentos da matemática, no Instituto de Matemática, Estatística e Ciência da Computação (IMECC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

    Alguns anos depois, em 1975, organizou o Simpósio de Lógica Matemática, na Unicamp, tendo como principal conferencista, o matemático polonês, Alfred Tarski.

    Por quase vinte anos estudou e criou sistemas não-clássicos de lógicas paraconsistentes, publicando vários trabalhos científicos. Foi a primeira colaboradora do professor Newton C.A. da Costa, com quem publicou diversos artigos em periódicos internacionais. Nos últimos anos de sua vida, analisou exaustivamente os artigos publicados por Vasili'ev, em particular os relacionados com a Lógica Paraconsistente.

    Ayda Arruda foi a primeira pesquisadora a formalizar as idéias de Vasil'ev, obtendo, como resultado as lógicas paraconsistentes. Seus estudos são referência para muitas gerações de matemáticos e lógicos

    Arruda organizou os Encontros Brasileiros de Lógica, em 1976, e o 3rd Latin American Symposium on Mathematical Logic (III SLALM), ambos realizados na Unicamp. Foi professora visitante e conferencista em diversas universidades nacionais e estrangeiras, dentre as quais citamos: Université Claude-Bernard, na França; Universytet Mikolaya Kopernika, na Polônia; Universidade Católica do Chile, no Chile.

    Em 16 de abril de 1980, assumiu a direção do IMECC permanecendo no cargo até seu falecimento no dia 13 de outubro de 1983. No ano de 1985, a Unicamp organizou o VII Simpósio Latino-Americano de Lógica Matemática dedicado à memória de Ayda I. Arruda.

    Fontes:

    ALVES, Elias Humberto. "Aspectos da Lógica Matemática no Brasil". In: FERRI, Mário Guimarães; MOTOYAMA, Shozo (coords.). História das Ciências no Brasil". São Paulo: EPU; Ed. Da Universidade de São Paulo, 1979-1981. pp.389-410.

    http://www.cle.unicamp.br/arquivoshistoricos

    Autora do verbete:

    Eliane Morelli Abrahão é doutora em História pela Universidade Estadual de Campinas e Historiadora chefe da seção de Arquivos Históricos do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência  (Unicamp).


Diana Mussa (1932-2007)

  • Diana Mussa nasceu em 19 de janeiro de 1932, na cidade de Campos dos Goytacazes (RJ), em uma família de professores, imigrantes libaneses. Ainda no Líbano, seu pai, Nagib Mussa, ministrava aulas de Língua Francesa e sua mãe, Maria Chacur Mussa, de Língua Inglesa, em uma escola dirigida por seu avô, David Mussa. Era a mais nova entre cinco irmãos, todos com curso superior.

    Desde criança foi muito estudiosa, amiga de todos, extremamente bondosa e desprendida. Nesta fase, já demonstrava seu amor pelos seres vivos, amava os animais e cuidava deles quando encontrava algum doente. Os familiares brincavam: "-Ela é a deusa Diana, a Deusa da Caça, por isso é que gosta tanto de animais". Sonhava, desde sempre, ser Naturalista.

    Assim, em 1952, mudou-se para o Rio de Janeiro e ingressou na graduação em História Natural na Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Brasil ¿ UB (atual UFRJ). Inquieta, dedicada e com sede de saber, cursou também o curso de Geologia na mesma instituição. Neste período, aprofundou seus estudos, realizando estágios com grandes pesquisadores, tanto da Botânica, quanto da Geologia. Desta maneira, adquiriu toda a base para a preparação e o estudo de madeiras atuais com o Dr. Fernando R. Milanez, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), e,  com o Dr. Calvino Manieri, no Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT/SP). No Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) estagiou, inicialmente, com Dr. Alberto Ribeiro Lamego, grande geólogo de campo. Posteriormente, já com os paleobotânicos Dr. Friedrich Wilhelm Sommer, Dr. Elias Dolianiti e Dr. Richard Kräusel.

    Ao final da década de 50, movida pelo seu intenso amor ao próximo e desejo de se dedicar também aos pobres, ingressou no Convento das Clarissas. Nesta época, foi enviada para dirigir um colégio em Manaus e viveu também em Tefé (1958-1961), onde manteve as pesquisas com madeiras fósseis paralelas à missão religiosa. Após adoecer gravemente, precisou abandonar o convento, e retornou à sua cidade natal para tratamento de saúde. 

    Finalmente curada e podendo retomar suas atividades, Diana ingressou como pesquisadora na Comissão Nacional de Energia Nuclear. Iniciou seus estudos de pós-graduação em 1973, no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IG-USP), sob a orientação do Dr. Antonio Carlos Rocha-Campos. Com sua formação impecável tanto como anatomista quanto como geóloga, dedicou-se, heroicamente, ao maior estudo já realizado no Brasil sobre as assembléias de madeiras fósseis do Permiano da Bacia do Paraná. Sua tese intitulada "Lignitafofloras Permianas da Bacia do Paraná, Brasil (Estados de São Paulo e Santa Catarina)" foi defendida em 1982 e obteve aprovação com louvor.

    No início da década de 1980, passou a trabalhar como pesquisadora do DNPM. Em 1983, Diana foi requisitada pelo Museu Nacional (MN/UFRJ). Assim, passou a realizar pesquisa, orientar alunos e ministrar diversas disciplinas tanto no Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional (DGP-MN/UFRJ), quanto no Instituto de Geociências (IGEO/UFRJ).  Em 1993, após passar por concurso público, foi nomeada como Professora Adjunta de Paleobotânica no Museu Nacional. 

    Além de manter suas atividades acadêmicas, em meados da década de 1990, Diana retornou à vida religiosa, como irmã leiga ligada ao Bispado do Rio de Janeiro e, onde, além das tarefas espirituais, dedicava-se ao estudo do hebraico.  Foi amiga dos pobres e grande colaboradora das irmãs do Colégio Sion, no Rio de Janeiro.

    Em 2003, com tristeza, pois sentia que ainda poderia colaborar muito, aposentou-se  aos 70 anos e afastou-se por completo das atividades no Museu Nacional.  Apenas quatro anos depois, sem qualquer enfermidade, deixou este mundo sem sofrimento, vítima de parada cardíaca, no dia 8 de maio de 2007.

    Diana Mussa viveu profundamente a paixão pelo seu trabalho. Foi uma mulher determinada e, pela sua dedicação e competência, se impôs em um campo, até então, absolutamente masculino. Realizou seu sonho de criança, tornou-se Naturalista, em sentido amplo. Ao escolher a Paleobotânica, assumiu todas as dificuldades inerentes à esta área, principalmente ao se dedicar à anatomia de madeiras fósseis. Pois, ao contrário da realidade no exterior, esta linha de pesquisa praticamente inexistia no Brasil. 

    Desenvolveu todas as habilidades necessárias à pesquisa com maestria, desde a prospecção de fósseis em campo;  em laboratório, dedicou-se à difícil preparação destes fósseis para estudo, atentando sempre para os diferentes materiais e adaptações das técnicas existentes; além disso, ao microscópio, era extremamente criteriosa em suas observações, não se contentou em fotografar amplamente os materiais, ilustrou em nanquim a anatomia dos lenhos fósseis, com a grande lucidez de interpretá-los tridimensionalmente. Seus "porquês" sempre foram muito além da mera descrição morfológica ou anatômica dos fósseis, preocupava-se com questões de desenvolvimento e evolução das plantas que estudava, assim como a reconstrução de seus ambientes de vida e de morte, pois tinha grande interesse também pela tafonomia.   

    Seu legado científico abrange trabalhos com fósseis paleozóicos, mesozóicos e alguns quaternários (ver Lista de Publicações). Descreveu 30 gêneros de plantas fósseis. Deixou uma importante coleção, com mais de mil lâminas de madeiras fósseis. Formou muitos alunos. Participou de inúmeras bancas, sempre colaborando com grande senso de justiça. Foi sócia fundadora da Sociedade Brasileira de Paleontologia e participava como membro da Asociación Latinoamericana de Paleobotánica y Palinología, da Botanical Society of America (Paleobotany Section), da International Organization of Paleobotany (IOP) e da Sociedade Brasileira de Geologia. Além disso, como educadora nata, sonhava com a popularização da Paleobotânica no Museu Nacional e colaborou com sua irmã, Hilda Mussa Tavares (Licenciada em Matemática e Pedagoga), na criação do Projeto Espaço Criativo, destinado ao desenvolvimento do Raciocínio Lógico e da Expressão de crianças de 5 aos 12 anos.

    Com uma carreira belíssima, mesmo tendo publicado apenas em português, é reconhecida internacionalmente como a maior paleobotânica que o Brasil já teve e autoridade mundial para as floras do Devoniano. Recebeu merecidas homenagens por sua contribuição, dentre elas, a medalha LLewellyn Ivor Price da Sociedade Brasileira de Paleontologia e foi homenageada na X Reunião de Paleobotânicos e Palinólogos (2000). Além disso, inspirou o nome do gênero Mussaeoxylon Merlotti 1998, para madeira fóssil gimnospérmica do Gondwana brasileiro, e da espécie Glossopteris mussae Ricardi-Branco et al. 1999, para novas folhas fósseis do Permiano de São Paulo.

    Mas Diana não merece ser lembrada apenas como grande cientista. Seu exemplo de vida também faz parte de seu legado. Sempre reconhecida como pessoa honesta e de caráter firme, outras características amplamente citadas são sua imensa humildade, sua delicadeza e generosidade. Virtudes, por vezes, raras na Academia. É uma mulher brasileira, digna de admiração e respeito, que, nos limites de sua humanidade, atuou sempre de forma completa, com a maior dedicação possível.

     

    Fontes:

    Bernardes-de-Oliveira, M.E.C. 2007. Homenagem à Diana Mussa. Notícias da Asociación Latinoamericana de Paleobotánica y Palinología 15(1): 3-4.
    Merlotti, S. 1998. Mussaeoxylon, novo taxon gimnospérmico do Gondvana brasileiro. Acta Geologica Leopoldensia. Estudos tecnologicos, Brasil, 21 (46-47): 45-54.

    Ricardi¿Branco,  F.,  Bernardes¿de¿Oliveira,  M.E.C.  &  Garcia,  M.J.  1999.  Novos  Elementos  Tafoflorísticos  da  Formação Assitência Subgrupo  Irati, Grupo Passa Dois, Bacia  do  Paraná,  provenientes  de Angatuba  (SP),  Brasil. Revista Universidade Guarulhos, Geociências, 4(6): 85¿93. 

    Página "Neglected Science": http://www.neglectedscience.com/alphabetical-list/m/diana-mussa acessada em 27/03/2015.

    Sistema de acompanhamento de processos (SAP/UFRJ): http://www.sap.ufrj.br/ acessada em 27/03/2015.

     

    Agradecimentos: ao Prof. Marcelo Carvalho (MN/UFRJ) pelo convite para escrever este texto. À Hilda Mussa Tavares pela grande colaboração, à Drª Norma Maria da Costa Cruz (CPRM) pela revisão.

    Autoria do verbete:

    Luciana Witovisk Gussella é Doutora em Geologia (Paleontologia - Paleobotânica) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2012) e professora de Paleobotânica do Museu Nacional, UFRJ.

     

    Lista de Publicações de Diana Mussa, em ordem cronológica:

    1) Mussa, D. 1958. Conífera fóssil do Carbonífero Superior de Santa Catarina. Boletim Departamento Nacional da Produção Mineral, Divisão de Geologia e Mineralogia, v. 182. 22p.

    2) Mussa, D. 1958. Dicotiledôneo fóssil da Formação Barreiras, Estado do Sergipe, Brasil. Boletim Departamento Nacional da Produção Mineral, Divisão de Geologia e Mineralogia, 181: 1-23.

    3)Mussa, D. 1959. Contribuição a paleoanatomia vegetal I: Madeira fóssil do Cretáceo do Sergipe. Departamento Nacional da Produção Mineral, Divisão de Geologia e Mineralogia, 111: 1-15.

    4) Mussa, D. 1959. Contribuição a paleoanatomia vegetal II. Madeiras fósseis do Território do Acre (Alto Juruá) Brasil. Departamento Nacional da Produção Mineral, Divisão de Geologia e Mineralogia, v. 195. 54p.

    5) Mussa, D. 1974. Paleoxiloanatomia Brasileira I - Protopinaceae da Formação Botucatu, Minas Gerais, Brasil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 46: 497-634.

    6) Mussa, D. 1974. Paleoxiloanatomia Brasileira II ¿ Novo gênero de lenho fóssil da Formação Irati, Estado de São Paulo. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 46: 617-634.

    7) Ribeiro Filho, E.; Mussa, D. 1977. Histological and framboidal textures in diagenetic pyrite from the Gondwana coal beds, Brazil. Boletim IG. Instituto de Geociências, USP, V.8: 1-20.

    8) Mussa, D. 1978. Brasilestiloxylon e Solenobrasilioxylon, dois novos gêneros gondwânicos na Formação Irati, Estado de São Paulo, Brasil. Boletim IG. Instituto de Geociências, USP, V.9: 118-127.

    9) Mussa, D. 1978. Estruturas vasculares iniciais em lignoespécimes gondwânicos interpretados à luz das pesquisas ontogenéticas modernas.Boletim IG. Instituto de Geociências, USP, V.9: 95-104.

    10) Suguio, K.; Mussa, D. 1978. Madeiras fósseis dos aluviões antigos do Rio Tietê, São Paulo. Boletim IG. Instituto de Geociências, USP, V.9: 25-45.

    11) Mussa, D.; Carvalho, R.G.; Saad, A.R. 1978. Medula do tipoArtisia na Formação Irati (Permiano), Estado de São Paulo, Brasil. Boletim IG. Instituto de Geociências, USP, V.9: 114-117.

    12) Mussa, D. 1978. On the anatomy of wood showing affinities with the genus Vertebraria Royle, from the Irati Formation, State of São Paulo, Brazil. Boletim IG. Instituto de Geociências, USP, V.9: 153-201.

    13) Mussa, D.; Carvalho, R.G.; Santos, P.R. 1980. Estudo estratigráfico e paleoecológico em ocorrências fossilíferas da Formação Irati, Estado de São Paulo, Brasil. Boletim IG. Instituto de Geociências, USP, V.11: 31-189.

    14) Mussa D. 1980. Ocorrência do gênero Antarticoxylon Seward na Formação Irati (Permiano), estado de São Paulo, Brasil. Actas do Congreso Argentino de Paleontología y Estratigrafía y Congreso Latinoamericano de Paleontología,  4: 139-155.

    15) Mussa, D. 1982. Nova forma do complexo Vertebraria nos argilitos carbonosos da Formação Rio Bonito, Santa Catarina, Brasil. Boletim IG. Instituto de Geociências, USP, V.13: 43-134.

    16) Coimbra, A.M.; Mussa, D. 1984. Associação lignitafoflorística na formação Pedra-de-Fogo (Arenito Cacunda), Bacia do Maranhão - Piauí, Brasil. Anais do XXXIII Congresso Brasileiro de Geologia, Rio de Janeiro.

    17) Mussa, D.; Oliveira, L.D.D.; Barcia-Andrade, A. 1984. Fragmentos estélicos de Palmae, precedentes da Formação Açu, Bacia Potiguar, Brasil. Boletim IG. Instituto de Geociências, USP, V.15: 13-150.

    18) Mussa, D.; Coimbra, A.M. 1984. Método de estudo tafonômico aplicado a lignispécimes permianos da Bacia do Paraná. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 56: 85-101.

    19) Mussa, D. 1986. As formas gondwânicas do Grupo Solenóide e sua distribuição estratigráfica. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 58: 62-88.

    20) Mussa, D. 1986. As formas taxóides, abietóides e phyllocladóides do Gondwana e as desmembradas do gênero Complexo Dadoxylon Endl. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 58:169-170.

    21) Mussa, D. 1986. Eustelos gondwânicos de medulas diafragmadas e a sua posição estratigráfica. Boletim IG. Instituto de Geociências, USP, V.17: 11-26.

    22) Mussa, D.; Francisco, B.H.R.; Cunha, F.L.S.; Barcia-Gonzalez, B. 1987. Contribuição à Paleobotânica da Bacia de Itaboraí (RJ). Anais do 1º Simpósio de Geologia RJ e ES.

    23) Mussa, D.; Coimbra, A.M. 1987. Novas perspectivas de comparação entre as tafofloras permianas das Bacias do Parnaíba e do Paraná (paleoanatomia). Resumos das Comunicações do X Congresso Brasileiro de Paleontologia 10: 61, Rio de Janeiro.

    24) Mussa, D. 1988. A synopsis of the gondwanic wood taphofloras. Annals of the 7th Gondwana Symposium p. 134.

    25) Mussa, D. 1988. Nova apreciação sobre algumas formas eustélicas gondwânicas e a sua posição estratigráfica. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 60: 384.

    26) Mussa, D. 1988. O gênero complexo Dadoxylon Endlicher 1847 e as questões sistemáticas a ele relacionadas. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 60: 487-488.

    27) Mussa, D. 1989. Estudo Paleobotânico (paleoanatomia de lenhos) na Formação Pirambóia, Bacia do Paraná, Brasil. Resumo das Comunicações do XI Congresso Brasileiro de Paleontologia, p. 66.

    28) Caldas, E.B.; Mussa, D.; Lima Filho, F.P.; Rösler, O. 1989. Nota sobre a ocorrência de uma floresta petrificada de idade permiana em Teresina, Piauí. Boletim IG. Instituto de Geociências, USP, Publicação Especial V.7: 69-87.

    29) Mussa, D. 1990. Afinidades pteridospérmicas de alguns planos estélicos do Gondwana. Paleobotânica Latinoamericana (Circular Informativa da ALPP), 9(1): 32.

    30) Mussa, D.; Rodrigues, M.A.C.; Pereira, E.; Schubert, G.; Borghi, L.; Bergamaschi, S.; Carvalho, M.G.; Gonçalvez, R.A. 1990. Análise preliminar da tafoflora eodevoniana registrada na Formação Furnas no município de Jaguariaíva (Paraná, Brasil). Paleobotânica Latinoamericana (Circular Informativa da ALPP), 9(1): 33.

    31) Mussa, D.; Oliveira-Babinski, M.E.C.B.; Dino, R.; Arai, M. 1991. A presença do gênero Pseudofrenelopsis Nathorst na Bacia Mesozóica Lima Campos, Estado do Ceará, Brasil. XII Congresso Brasileiro de Paleontologia, Boletim de Resumos, São Paulo, 115 p.

    32) Mussa, D.; Borghi, L. 1993. A presença do gênero Horneophyton Barghoorn; Darrah na Formação Furnas, Bacia do Paraná. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 65(2): 214.

    33) Mussa, D. 1993. Configuração preliminar da tafoflora Pirambóia (Triássico), Bacia do Paraná. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 65(2): 215

    34) Mussa, D.; Rodrigues, M.A.C.; Pereira, E.; Schubert, G.; Borghi, L.; Bergamaschi, S.; Carvalho, M.G. 1993. O valor estratigráfico das tafofloras registradas na Formação Furnas, no Estado do Paraná. Resumos do 1º Simpósio sobre Cronoestratigrafia da Bacia do Paraná, p. 21.

    35) Mussa, D. 1994. Aplicação de blocos-diagrama na determinação dos lenhos fósseis do Gonduana. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 68(2): 264.

    36) Mussa, D. 1994. Determinação sistemática dos lenhos fossilizados por meio de blocos diagrama. In: Reunião de Paleobotânicos e Palinólogos, 8, São Paulo, Resumos, p. 46.

    37) Mussa, D.; Carvalho, I.S.; Rösler, O. 1994. Ocorrência de uma planta devoniana na bacia de Jatobá. Resumos das Comunicações da Reunião de Paleobotânicos e Palinólogos 8: 50-51.

    38) Mussa, D.; Borghi, L.; Bergamaschi, S.; Schubert, G.; Pereira, E.; Rodrigues, M.A.C. 1996. Estudo preliminar da tafoflora da Formação Furnas, Bacia do Paraná, Brasil. Anais da Academia Brasileira de Ciências 68: 65-90.

    39) Mussa, D.; Borghi, L.; Moreira, M.I.C. 1997. Uma possível tafoflora pré-devoniana em Chapada dos Guimarães, borda noroeste da Bacia do Paraná. Boletim de Resumos do 15º Congresso Brasileiro de Paleontologia p. 29.

    40) Mussa, D. 1999. A ocorrência de gêneros referidos a caules pteridospérmicos no Gonduana brasileiro. Anais da Academia Brasileira de Ciências 71: 152.

    41) Mussa, D.; Borghi, L. 1990. Horneophytales da Formação Furnas, Bacia do Paraná, Brasil. Resumos do XVI Congresso Brasileiro de Paleontologia, p. 77.

    42) Mussa, D. 1999. Ocorrência de gêneros referidos a caules pteridospérmicos no Gonduana brasileiro. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 71 (1): 152.

    43) Mussa, D. 2000. Paleobotânica. In: Carvalho, I.S. (Ed), Paleontologia. Rio de Janeiro: Interciência, p. 231¿326. 

    44) Mussa, D.; De Souza Carvalho, I.; Correa Martins, F.J.; Zuccoloto, M.E. 2000. Paradoxopteris Hirmer 1927, o caule de Weichselia Stiehler 1857, presente no Cretáceo da Bacia de São Luis, Estado do Maranhão, Brasil.Revista da Universidade de Guarulhos - Geociências, 6: 60-70.

    45) Mussa, D.; Garcia, M.J. 2000. Planos estélicos pteridospérmicos do Gondwana do Brasil. In: 10 Reunião de Paleobotânicos e Palinólogos; Revista da Universidade de Guarulhos, 5: 53-56.

    46) Mussa, D.; Carvalho, I.S.; Fernandes, A.C.S. 2001. O registro de uma Trimerophytophyta na Formação Inajá, Bacia de Jatobá, Brasil.Revista Brasileira de Paleontologia, 2: 72-73.

    47) Mussa D.; Bernardes-de-Oliveira M.E.; Mune, E.S.; Siqueira,  E.; Castro-Fernandes,  M.C.; Carmo, D.A. 2002. Lenho de Dicotiledônea da Formação Solimões, Neógeno da Bacia do Acre, Brasil. Paleontologia em Destaque 40: 16-17.

    48) Mussa, D.; Borghi, L.; Bergamaschi, S.; Schubert, G.; Pereira, E.; Rodrigues, M.A.C.; Pereira, J.F.; Emmerich, M. 2002. New taxa from the Furnas Formation, Paraná Basin, Brasil - an approach and revalidation names. Bradea - Boletim do Herbário Bradeanum, 45: 303-310.


Ester de Camargo Fonseca Moraes (1920 -2002)

  • Nascida na cidade de Paraibuna, no Estado de São Paulo, em 8 de dezembro de 1920, Ester de Camargo Fonseca Moraes, pioneira na implantação da Toxicologia no Brasil, torna-se referência no ensino da Toxicologia no país, atuando por 44 anos na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF/USP).

    Iniciou sua carreira docente logo após a conclusão do Curso de Farmácia, na então denominada Faculdade de Farmácia e Odontologia da Universidade de São Paulo, com apenas 22 anos de idade (junho de 1943), ao ser indicada como Assistente Extranumerária (voluntária) junto à Cadeira de Química Toxicológica e Bromatológica, atendendo ao convite do catedrático da época, professor doutor Linneu Prestes, quando ainda aluna do 3º ano. Foi admitida no ano seguinte, participando como assistente do ensino prático (curso diurno) até 1957 quando, então, passou a ser encarregada do curso teórico e prático (diurno) da parte de Química Toxicológica. Em maio de 1951, inscreveu-se para concurso de Livre Docência da 9ª Cadeira do Curso de Farmácia da Faculdade de Farmácia e Odontologia: Química Toxicológica e Bromatológica, conquistando ao mesmo tempo o título de Doutor e Docente Livre, segundo o Regulamento da Universidade de São Paulo em vigor na época. Com o desdobramento dessa Cadeira em Cadeira de Bromatologia e Disciplina Autônoma de Toxicologia, assumiu a responsabilidade desta disciplina (curso diurno e noturno) após ter se submetido ao concurso de Títulos realizado em abril de 1966. Cabe enfatizar que foi a única candidata inscrita e considerada altamente qualificada para o cargo pretendido por todos os membros da Comissão Julgadora.

    Concomitantemente ao seu ingresso no magistério superior, iniciou sua atividade profissional como química auxiliar na humilde instalação do Serviço Químico do Jockey Club de São Paulo em 1944, também acedendo à indicação do professor Linneu Prestes, então chefe do referido Serviço. Sua ascensão na carreira foi notável, culminando como químico-farmacêutico chefe nas magníficas instalações do Serviço de Controle e Pesquisas Antidopagem em 1958, onde permaneceu até 1968. Durante esse período, implantou um laboratório de controle da dopagem, que se tornou o primeiro centro de pesquisa toxicológica em nosso país. O laboratório era bem aparelhado, contava com excelente pessoal técnico, ótima biblioteca e mantinha intercâmbio científico permanente com entidades congêneres e institutos universitários, no sentido de estar o mais atualizado possível dentro das exigências da análise toxicológica. Foi procurado como local de estágio para mais de duas dezenas de profissionais vindos de diversos estados do Brasil e até mesmo de alguns países sulamericanos, como Argentina, Colômbia e Guatemala, em busca de treino e especialização, além de muitos trabalhos de pesquisa também terem sido ali realizados. Em 1959, Ester de Camargo Moraes conquistou, mediante prova de títulos e prática, a admissão no quadro de químicos do turfe da AORC (Association of Official Racing Chemists), entidade de caráter científico, de âmbito internacional, cuja finalidade é coordenar os trabalhos de pesquisa referentes ao controle da dopagem uma vez que, sendo de caráter confidencial, não podem ser publicados pelos meios convencionais. De 1958 a 1965, foram analisadas pelo Serviço mais de 16.000 amostras, computadas as análises de rotina e as de doping experimental.

    O ano de 1966 foi marcante em sua trajetória, pois foi o ano que assumiu a responsabilidade da Disciplina Autônoma de Toxicologia ao mesmo tempo em que ocorreu a transferência da Faculdade de Farmácia para o campus da Cidade Universitária. A instalação real e efetiva da disciplina recém-criada, desprovida de qualquer infraestrutura, era crucial e estratégica para o Brasil. Para sustentar compromisso de tamanha envergadura, sentiu a necessidade de optar pelo regime de dedicação integral ao ensino e à pesquisa (RDIDP) na USP em 1968, renunciando ao seu cargo já consolidado de chefe em uma prestigiada divisão, para transferir para a Faculdade de Farmácia, êxito semelhante ao alcançado em seus 24 anos de trabalho no Jockey Club, isto é, a formação de uma verdadeira escola de toxicologia.  Todo seu empenho foi recompensado: em fins de 1969, a disciplina de Toxicologia já se equiparava didaticamente a qualquer uma das antigas disciplinas da Faculdade. Portanto, Ester de Camargo Moraes foi pioneira na implantação da disciplina de Toxicologia como entidade autônoma e separada de outras correlatas, no curso de Farmácia da Universidade de São Paulo. Posteriormente, foi instituído também nas demais Faculdades de Farmácia, públicas ou privadas, que atualmente ministram esta disciplina.

    Em 1970, prestou concurso para Professor Adjunto de Toxicologia, disciplina que, por força da reforma universitária, passou a integrar o recém-criado Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas. Em 1972 obteve o título de Professor Titular de Toxicologia, ficando responsável pelas disciplinas Toxicologia I e Toxicologia II (período integral e noturno), desdobradas da disciplina de Toxicologia.

    Também, em decorrência da reforma universitária, foi integrado ao Departamento, o antigo Laboratório Clínico da Faculdade de Farmácia e Bioquímica. Nesta ocasião, Ester de Camargo Moraes propôs a criação do Laboratório Toxicológico, paralelo ao Laboratório Clínico, constituindo o Laboratório Clínico e Toxicológico do Departamento. Assim, em 1971, foi implantado o Laboratório de Análises Toxicológicas (LAT), criado com o objetivo amplo de não ser apenas um prestador de serviços, mas principalmente um centro de formação e treinamento.  Sua liderança igualmente se fez presente no desenvolvimento e implantação de técnicas analíticas associadas ao diagnóstico toxicológico, em um trabalho de associação entre ensino, pesquisa e extensão nas diversas áreas da Toxicologia. Sob sua chefia, o LAT foi pioneiro no Brasil na realização de análises de urina para o controle da dopagem em atletas, tendo início em 1974, mediante compromisso firmado em perante a Federação Paulista de Futebol. Também em alguns eventos de caráter internacional, tais como "Campeonato Mundial de Voleibol Juvenil" (1977), "Campeonato Panamericano Junior de Ciclismo" (1980), "Campeonato Sulamericano de Voleibol Feminino" (1981), "Campeonato Mundial Juvenil de Esgrima" (1987), "Volta Ciclística Internacional do Brasil" (1987 e 1988), "Corrida Internacional São Silvestre" (1990 e 1991), coube ao LAT a responsabilidade do controle da dopagem.

    Ester de Camargo Moraes consolidou sua liderança na Toxicologia ao criar o primeiro curso de pós-graduação stricto sensu na área no país - Análises Toxicológicas (Mestrado), em 1972 e Toxicologia (Doutorado), em 1978. Formou grande número de mestres e doutores que foram responsáveis pela implementação da Toxicologia em todo o país, militando em instituições de Ensino Superior, órgãos governamentais, institutos de pesquisa, entre outros, e que procuram seguir seu exemplo de honestidade científica e preocupação com o ensino de qualidade.

    Seu reconhecimento também foi internacional, ao ser convidada para participar, em 1984, em Paris, da cerimônia solene do Cent Cinquantième Anniversaire de la Création de la Chaire de Toxicologie de la Faculté de Pharmacie de Paris et du Jubilé Scientifique du Professeur René Truhaut.

    Em 1987, aposentou-se do cargo de professor de Toxicologia após 44 anos de atividade plena e ininterrupta, continuando a exercer voluntariamente por mais 5 anos a função de orientadora de mestrandos e doutorandos na Faculdade.

    Em 2002, recebeu do Conselho Federal de Farmácia, a "Comenda de Mérito Farmacêutico", outorgada a membros representativos da entidade, pelos relevantes serviços prestados à profissão farmacêutica e à Farmácia Brasileira. Neste mesmo ano, também foi homenageada pelo papel importante e decisivo para a implantação e consolidação da Pós-Graduação da FCF/USP, no Encontro Nacional da Pós-Graduação em Farmácia ¿ 30 anos de experiência em Análises Clínicas e Toxicológicas.

    Em 2011, a Sociedade Brasileira de Toxicologia (SBTox) instituiu a medalha Professora Ester de Camargo Fonseca Moraes com o objetivo de homenagear profissionais que tenham prestado serviços ou contribuído consideravelmente para o desenvolvimento da Toxicologia no Brasil. O nome da Professora Ester de Camargo foi escolhido como reconhecimento à sua relevante participação na consolidação da Toxicologia como ciência autônoma no país.

    Em 2014, os membros do 10° Encontro Latinoamericano do TIAFT (The International Association of Forensic Toxicologists) também selecionaram o nome da Professora Ester para intitular o certificado de premiação de um dos melhores trabalhos orais apresentado durante o referido evento.

    Ester de Camargo Fonseca Moraes foi uma incansável batalhadora da implantação e consolidação da Toxicologia como ciência e matéria de ensino no Brasil e seu nome sempre será reconhecido por todos que seguiram os caminhos da Toxicologia.

     

    Autoria do verbete:

    Regina Lucia de Moraes Moreau e Silvia Berlanga de Moraes Barros são Doutoras em Toxicologia e Análises Toxicológicas e professoras do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo. 


Gioconda Mussolini (1913-1969)

  • Gioconda Mussolini (nascida em São Paulo em 1913) foi a primeira mulher, no Brasil, a fazer da Antropologia Social a sua profissão, tendo sido docente e pesquisadora na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, desde 1935 até o dia da sua morte, em maio de 1969.

                Ela foi a terceira das sete filhas de Umberto Mussolini (nascido em Veneza em 1886 e emigrado para o Brasil em 1888) e de Adalgisa Vieiga (nascida em 1889, filha de pai português e mãe brasileira). A família paterna foi se estabelecendo, aos poucos, nos bairros do Bom Retiro, da Luz e dos Campos Elísios, desenvolvendo atividades comerciais e industriais no setor alimentício. Gioconda formou-se como professora primária, em 1931, na  Escola Normal Padre Anchieta. Logo no começo de 1933, ingressou oficialmente no quadro do ensino público paulista, nomeada para o Grupo Escolar de Pariquera-Assu, então distrito rural de Jacupiranga, no litoral sul do estado. Mas a permanência na região do baixo Vale do Ribeira será logo interrompida pela admissão, ainda em 1933, no Curso de Aperfeiçoamento de Professores Primários que funcionava no Instituto Pedagógico "Caetano de Campos", na Praça da República, e que, como a própria Gioconda escreveria num Currículo de 1965, "equivalia aos dois primeiros anos do Curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia" da USP.

                 É este o verdadeiro ponto de virada na carreira e na trajetória de Gioconda Mussolini, que, a partir de então, seria aluna, entre outros, de Fernando de Azevedo, Almeida Jr., Noemy da Silveira Rudolfer. Além desses, Gioconda entra em contato com outros docentes, alguns dos quais pouco mais velhos que ela: alguns estarão entre os seus colegas na FFCL, a partir de 1935, como Anita de Castilho, Marcondes Cabral e Zenith Mendes da Silveira. Em outras palavras, em 1933, iniciam os estudos superiores de Gioconda Mussolini, na primeira turma desse novo Instituto de Educação. É a primeira e única da frátria a dar esse passo, dado contemporaneamente aos primeiros passos do próprio ensino superior paulista, se atentarmos para o fato de que, até este ano, só existiam as Escolas "profissionais": Direito, Medicina e a Politécnica. A Escola Livre de Sociologia e Política também abria as suas atividades em 1933, e a USP, ao criar a Faculdade de Filosofia e ao reuni-la àquelas escolas e a este Instituto de Educação, só surgiria em 1934.

                Embora não tenhamos maiores informações sobre as suas atividades e a sua rotina, basta o nome e a estrutura de um dos laboratórios do IE para compreendermos a sua importância na formação de Gioconda: o Laboratório de Pesquisas Sociais e Educacionais contava com um Centro de Documentação Etnográfica e Social e com um Museu de Etnografia. Nesse biênio na "Praça", então, Gioconda Mussolini teve acesso à "degustação" de um variado cardápio de novos sabores intelectuais, que lhe aguçaram um apetite a ser saciado, já a partir do ano seguinte, no curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia. Afinal, para uma moça em volta dos seus vinte anos de idade, nascida e criada no Bom Retiro, devem ter sido extraordinárias as experiências proporcionadas por um grupo de educadores também num momento decisivo e especial das suas atuações institucionais. Por sua vez, o lugar desse conjunto de práticas é também um lugar múltiplo: o Caetano de Campos tinha posição e função centrais nesse quadrante da educação pública paulista. Nela convergiam elementos de um campo que me parece estar, ao mesmo tempo, em formação e em ponto de mutação, com a presença e a participação de médicos, higienistas, pedagogos, juristas, psicólogos, estatísticos, sociólogos.

                Em 1935, Gioconda entra na então denominada sub-Seção de Ciências Sociais e Políticas da recém criada Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da USP, como integrante da segunda turma de ingressantes naquela instituição e como "professora primária comissionada"[1], ou seja, dispensada, com vencimentos, das suas atividades docentes. Pertence àquele "grupo de jovens, animado de grande ardor para o trabalho, conhecendo perfeitamente as suas possibilidades, mas sabendo também que, antes de mais nada, são professores e que por esta razão foram enviados à Faculdade", na definição de um dos seus mais destacados professores, o geógrafo francês Pierre Monbeig[2].

                Mulher, e com sobrenome imigrante[3], Gioconda Mussolini encaixa-se bem no perfil dos alunos da FFCL a partir do seu segundo ano de funcionamento, um grupo social muito diferente do preconizado pelos seus mentores, e também bem distinto do perfil daqueles que se encaminhavam para as antigas faculdades profissionais já existentes[4]: os filhos da elite paulista.

                Ela assiste às aulas - ministradas sempre em francês - de alguns dos professores daquela que ficou conhecida como a "missão francesa": Paul Arbousse Bastide, Claude Lévi-Strauss e Roger Bastide (Sociologia), Pierre Monbeig (Geografia), Fernand Braudel (História) e Jean Magüé (Filosofia), entre outros. São seus colegas de turma Gilda de Mello e Souza (então Moraes Rocha), Mário Wagner Vieira da Cunha, Ruy Coelho, Décio de Almeida Prado e Egon Schaden. Este, procedente de uma família de origem alemã, do interior de Santa Catarina, é destinado a desempenhar um papel de grande relevância na vida e na carreira de Gioconda. O nome dela figura, também, na conhecida listagem do (agora consagrado) antropólogo Lévi-Strauss em Tristes Trópicos (1955):

     

                  "[...] Pensando em vós, segundo vosso costume, por vossos nomes de batismo tão barrocos para um ouvido europeu, mas cuja diversidade exprime o privilégio que foi ainda o de vossos pais, de poder livremente, de todas as flores de uma humanidade milenar, colher o viçoso buquê da vossa: Anita, Corina, Zenaida [sic], Lavínia, Thaís, Gioconda, Gilda, Oneide, Lucilla, Zenith, Cecília, e vós, Egon, Mário Wagner, Nicanor, Ruy, Lívio, James, Azor, Achilles, Décio, Euclides, Milton [...]"[5].

     

                O envolvimento de Gioconda com os seus professores e, há de se presumir, o seu bom ou mesmo ótimo rendimento escolar, fizeram com que ela se destacasse entre os seus colegas e, ainda em 1935, recebesse convite do recém criado Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, dirigido por Mário de Andrade, para atuar como "pesquisadora social", mais especificamente na "Divisão de Documentação Histórica e Social", chefiada, à época, por Sergio Milliet e pelo engenheiro checo Bruno Rudolfer (ambos do grupo de fundadores da Escola Livre de Sociologia e Política), e que contava também com a participação de Luís Saia, arquiteto-engenheiro e futuro integrante da "Missão de Pesquisas Folclóricas" de 1938, e do sociólogo e estatístico norte-americano, Samuel H. Lowrie (também docente da ELSP). Esse período também compreende a sua participação na criação da "Sociedade de Etnografia e Folclore", ao lado de  boa parte dos primeiros professores de Gioconda e de alguns dos seus colegas de Faculdade: Roger Bastide, Pierre Monbeig, Plínio Ayrosa, Paul Arbousse-Bastide, Lévi-Strauss, Lavínia Costa Vilella, Lucilla Herrmann, Mário Wagner, Emilio Willems, Oneyda Alvarenga, além, é claro do próprio Mário de Andrade.

                Licenciada em 1937, Gioconda Mussolini volta a lecionar no Grupo Escolar da Vila Prudente, mas, logo em 1938, é admitida como "membro do Centro de Pesquisas e Documentação Social" da Cadeira de Sociologia I da FFCL, regida então por Paul Arbousse Bastide (mas que mudará de chefia em 1941, com Roger Bastide, que havia chegado, nesse mesmo ano de 1938, em substituição de Lévi-Strauss, de regresso à Europa) e onde, mais tarde[6], se tornaria Auxiliar de Ensino. A pessoa responsável pelo convite, portanto, deve mesmo ter sido Arbousse Bastide, seu ex-professor. Gioconda ficará colaborando com ele durante três anos (até 1941) e mais três anos (até 1944) com Roger Bastide. A contratação de Gioconda na Cadeira se dá com a fórmula do "comissionamento, sem prejuízo dos vencimentos do cargo efetivo", ou seja, mantendo o cargo e o salário de professora primária, desenvolve as suas atividades na Faculdade de Filosofia.

                Em 1944 ("comissionada" nas mesmas condições anteriores), transfere-se para a Cadeira de Antropologia, criada em 1941 e regida pelo professor alemão Emilio Willems, de quem Gioconda se tornaria, no começo, 2a. assistente. Em 1951, ela será promovida a 1a. assistente, no lugar de Egon Schaden, que substituíra Willems, a caminho dos Estados Unidos, onde assumirá o posto de Professor de Antropologia na Vanderbilt University, em Nashville .

                Um ano após ter migrado da Cadeira de Sociologia à de Antropologia, Gioconda defendeu  a  dissertação de mestrado (Os meios de defesa contra a moléstia e a morte em duas tribos brasileiras: Kaingang de Duque de Caxias e Bororó Oriental), na ELSP, em que ingressara em 1941 e onde tinha sido aluna de, entre outros, Donald Pierson, Herbert Baldus, Willems, Sergio Milliet e, durante a sua rápida passagem pelo Brasil (1942-1943), A. R. Radcliffe-Brown. Entre os seus colegas, ainda Lucila Herrmann, Oracy Nogueira, Virginia Leone Bicudo e, no último ano, também Florestan Fernandes, com que Gioconda estabeleceria uma longa e firme amizade. É nesse contexto, portanto, que ela se torna, ainda mais "oficialmente", uma antropóloga. E é esse ano de 1944 que marca o começo da sua atuação nesse campo disciplinar, com as primeiras pesquisas, em comunidades caiçaras no Litoral Norte de São Paulo, as primeiras publicações e a orientação de estudantes, alguns dos quais se tornariam nomes importantes da Antropologia Brasileira: Ruth Cardoso, Eunice Durham, Antonio Augusto Arantes - sobretudo[7].

                A relevância de Gioconda Mussolini para a antropologia brasileira desdobra-se em três direções. Primeiro, por ela ter protagonizado os primórdios do ensino na disciplina, numa instituição pioneira como a FFCL da USP, concorrendo para a formação de muitos cientistas sociais, alguns dos quais ativos até hoje; segundo, pela sua contribuição ao campo da "antropologia da doença", através da sua dissertação de mestrado, defendida na Escola Livre de Sociologia e Política, em 1945; finalmente, e sobretudo, o nome dela é referência fundamental para os estudos brasileiros sobre pesca, sobre cultura e organização social de comunidades litorâneas em geral e das populações caiçaras do litoral de São Paulo, em particular. O campo da antropologia da pesca tem no nome de Gioconda Mussolini uma espécie de "mãe fundadora". Suas reflexões ainda orientam os estudos de muitos pesquisadores contemporâneos. Na primeira e na terceira dessas três direções, não é mais nem tanto o "pioneirismo" a ser marca de reconhecença, mas as novidades teóricas, metodológicas e epistemológicas que ela tentou introduzir na sua produção acadêmica, a despeito da sua reduzida dimensão e da dispersão a que ela foi submetida.

                Essas novidades determinaram tanto o clima (ora negativo ora indiferente) com que os seus trabalhos foram recebidos no lugar específico em que eles eram situados (a Cadeira de Antropologia da USP, onde ela lecionou de 1944 a 1969), quanto a sua própria escassez, pois ao seu conjunto falta justamente a peça que lhe arremataria o sentido: a (quase) desaparecida tese de doutoramento[8]. Mesmo assim, o conjunto de artigos e outros textos de Gioconda Mussolini parece mais que suficiente para que a sua figura reassuma a posição central que, como professora de sala de aula, todos lhe reconhecem. Essa tese, aliás, é a pedra de toque, ainda que parcialmente ausente, para os demais trabalhos que ela conseguiu concluir e publicar. Estes, por sua vez, iluminam o vazio que seria ocupado pela tese, numa tentativa de imaginar uma solidez coerente, representada pela sua contribuição às ciências sociais do país.

     

    Principais obras de Gioconda Mussolini

     

    1944: Notas sobre os conceitos de moléstia, cura e morte entre os índios Vapidiana. Sociologia, 6 (2).

    1945: O Cerco da Tainha na Ilha de São Sebastião Sociologia, 7 (3). Agora disponível em: http://www.pesnochao.org.br/databank/documento02.pdf

     

    1946: O Cerco Flutuante: uma Rede de Pesca Japonesa que teve a Ilha de São Sebastião como Centro de Difusão no Brasil. Sociologia, 8 (3). Agora disponível em: http://www.pesnochao.org.br/databank/documento03.pdf

     

    1950: Os "Pasquins" do Litoral Norte de São Paulo e suas peculiaridades na Ilha de São Sebastião.Revista do Arquivo Municipal, CXXXIV. Agora disponível em: http://ufdc.ufl.edu/UF00023425/00001/1x

     

    1952: Buzios Island: a Caiçara Community in Southern Brazil (com Emilio Willems).

     

    1953: Aspectos da cultura e da vida social no litoral brasileiro. Revista de Antropologia, 1 (2). Agora disponível em: http://www.pesnochao.org.br/databank/documento01.pdf

     

    1955: Persistência e mudança em sociedades de folk no Brasil, Anais do XXXI Congresso Internacional de Americanistas, vol. I. Agora disponível em: http://www.revistas.usp.br/cadernosdecampo/article/view/45609.

     

    1963: Os japoneses e a pesca comercial no litoral norte de São Paulo. Revista do Museu Paulista, 14. Agora disponível em: http://www.pesnochao.org.br/databank/documento04.pdf

     

    1969 (org.): Evolução, Raçae Cultura (Leituras de Antropologia Física).

     

    Póstumas:

     

    1980: Ensaios de Antropologa Indígena e Caiçaras (org. de Edgard Carone e Introdução de Antonio Candido - reúne os artigos de tema marítimo e a dissertação de mestrado).

     

    2003: A Ilha de Búzios: uma comunidade Caiçara no Sul do Brasil (com Emilio Willems, tradução do livro de 1952).

     

    Autoria do verbete:

    Andrea Ciacchi é professor associado de Antropologia na Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Desde 2005, vem se dedicando a pesquisas sobre história do pensamento antropológico no Brasil e, a partir de 2010, sobre pensamento social na América Latina. Seu livro, História Social de uma Antrópologa: Gioconda Mussolini em São Pauloestá pronto e à espera de uma editora. A pesquisa que lhe deu origem (e a este verbete) foi financiada pelo CNPq, entre 2005 e 2007, com uma bolsa de pós-doutorado, sob a supervisão da professora Heloisa Pontes, do DAN/UNICAMP.



    [1] Cfr. LIMONGI, Fernando (2001). A Escola Livre de Sociologia e Política em São Paulo. In: S.Miceli (org.). História das Ciências Sociais no Brasil. Vol. 1, II ed. São Paulo:Vértice, pp.257-275.

    [2]Apud Ibidem, p. 191.

    [3] A essa altura (1935), um sobrenome já muito "sonoro": Benito Mussolini conquistara o poder na Itália em 1922, assumindo-o ditatorialmente em 1924, e ainda é aliado de Getúlio Vargas. Como se sabe, a ruptura entre o Brasil e os países do eixo só se daria na virada entre 1941 e 1942.

    [4] LIMONGI (2001:197).

    [5] LÉVI-STRAUSS, Claude (1996).Tristes Trópicos. São Paulo:Companhia das Letras, p.99-100. Dessa lista, Anita de Castilho e Marcondes Cabral (Psicologia), Gilda de Mello e Souza (Estética), Lavinia Costa Vilela (Sociologia), Zenith Mendes da Silveira (Economia) e Lucila Herrmann (Sociologia) também são "pioneiras da ciências".

    [6] Não localizei a data desta promoção na documentação da USP.

    [7] No contexto deste verbete, não há como esmiuçar o resto da carreira acadêmica e científica de Gioconda Mussolini. Permito-me remeter à leitura de CIACCHI, Andrea.Gioconda Mussolini: uma travessia bibliográfica. Revista de Antropologia. 2007, vol. 50, n.1, pp.181-223. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-77012007000100005

    [8] A tese, sob a orientação do catedrático (segundo os hábitos uspianos da época) Egon Schaden, nunca chegou a ser defendida, aparentemente porque ela nã conseguiria escrevê-la. Na realidade, ela havia redigido quase 500 folhas, que, porém, não foram julgadas adequadas para formarem uma tese apta a ser defendida. Nessas circunstâncias, Gioconda não pôde assumir a titularidade da Cátedra de Antropologia, quando da aposentadoria de Schaden, em 1967.


Lucilia Tavares

  • No Laboratório de Psychologia da Colônia de Psychopathas do Engenho de Dentro, que funcionou de 1923 a 1932, sob a direção do psicólogo polonês Waclaw Radecki (1887-1953), atuaram diversos profissionais homens (médicos, advogados, filósofos) e duas mulheres: sua esposa Halina Radecka (1897-1980) e Lucília Tavares. Pouco se conhece sobre esta última, autora do que até agora se conhece como o primeiro livro de psicologia publicado no Brasil por uma mulher: "Psychologia do Pensamento", de 1930 (TAVARES, 1930). 

    Lucilia Tavares era professora municipal, indicada pela Diretoria Geral de Instrução Pública ¿ o órgão responsável por Educação no Distrito Federal, na República Velha ¿ para ser assistente de Radecki no Laboratório. No período em que ali esteve, Lucilia desenvolveu trabalhos sob orientação de Radecki, que resultaram, além do livro citado, em um artigo em coautoria com o diretor do Laboratório, "Contribuição experimental à psychologia dos juízos", de 1928 (TAVARES & RADECKI, 1928) e um artigo de divulgação intitulado "À margem da Psychologia" (TAVARES, 1931), publicado no "Jornal do Commercio" do Rio de Janeiro. 

    As (poucas) informações disponíveis indicam que lá trabalhou de alguma data a partir de 1924 até 1932, quando o Laboratório foi transformado em Instituto de Psicologia,  no qual  existiu a primeira proposta de formação superior de psicólogos no Brasil, elaborada por Radecki. Lucilia integrava o corpo docente do Instituto, responsável pela cadeira de "Metodologia do trabalho experimental em Psicologia" (CENTOFANTI, 1982). Entretanto, ainda em 1932, por ingerências externas (a saber, pressões de setores médicos e católicos), o Instituto foi fechado, não chegando a iniciar sua proposta de formação superior.

    Entretanto, tal relevância da atuação de Lucilia é proporcional à sua obscuridade. Lucilia é uma personagem tão pioneira quanto enigmática. Até mesmo suas datas de nascimento e morte são desconhecidas. Foi possível levantar poucas informações sobre ela, além de sua atuação no Laboratório da Colônia de Psychopatas.

    Por exemplo, sabe-se que Lucília, juntamente com outros quatro assistentes de Radecki (Halina Radecka, Nilton Campos, Ubirajara da Rocha e Arauld Bretas) enviaram trabalhos para inscrição em um concurso da Escola Normal do Rio de Janeiro em 1930, que acabou sendo cancelado, tendo a cadeira ficado com Plínio Olinto, que lá já estava desde 1916.

    Em relatório comemorativo dos dez anos do Centro de Orientação Juvenil ¿ COJ  (BRASIL, 1956),  Lucilia Tavares consta em uma lista de técnicos que colaboraram com supervisão e complementação aos cursos de Emilio Mira y López sobre Orientação e Seleção Profissional no Departamento de Administração do Serviço Público (DASP) e de Psicoterapia Menor na Fundação Getúlio Vargas (FGV), na década de 1940. Isto indica que, após o fechamento do Instituto de Psicologia, Lucília permaneceu atuando na psicologia, como uma das mulheres que contribuíram no processo de autonomização da área no Brasil.

    As primeiras décadas do século XX assistiram à institucionalização da participação feminina no mercado de trabalho, principalmente na Educação. A busca por uma modernização do país, através da educação, tornou-se o argumento para as mulheres terem mais acesso à educação. Educadas para serem melhores mães e esposas, esse lugar como educadoras da família possibilitou às moças de classe média e alta saírem de casa e ocuparem os primeiros espaços profissionais como professoras primárias. (Jacó-Vilela, Degani-Carneiro & Messias, 2009). Lucilia Tavares não é, pois, exceção nesse contexto; mas o fato de ser a primeira mulher a atuar em um espaço prioritariamente masculino ¿ um laboratório localizado em um hospital ¿ e a data longínqua em que isso ocorreu (décadas de 1920 e 1930) despertam o interesse. O que levaria uma jovem professora, presumivelmente de "boa família", a sair do ambiente escolar e ir trabalhar em uma área de saber ainda desconhecida, emergente e em um ambiente de trabalho quase exclusivamente masculino?

    Sua trajetória, portanto, evidencia alguns traços do paradigma do interesse das pioneiras da Psicologia no Brasil: em sua grande maioria, possuíam formação como professoras nas já existentes Escolas Normais, onde entravam em contato com o saber psicológico tanto em seu aspecto teórico quanto prático ¿ notadamente, os testes psicológicos. Desta forma, a inserção das mulheres na Psicologia ocorreu essencialmente através de questões pedagógicas, como a educação, a aprendizagem e  o desenvolvimento infantil.

     

    Fontes:

     

    BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento Nacional da Criança. O Centro de Orientação Juvenil (1946-1956). Rio de Janeiro: MS, 1956. (Coleção N.N.Cr. nº 155).

    CENTOFANTI, R. Radecki e a psicologia no Brasil. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, Ano 3, n. 1, p. 2-50, 1982.

    Jacó-Vilela, a. m., Degani-Carneiro, f. & Messias, m. c. n. A mulher na história da Psicologia no Brasil: resgatando Lucilia Tavares. In: LOURENÇO, E., GUEDES, M. C. & CAMPOS, R. H. F. Patrimônio cultural, museus, psicologia e educação: diálogos. Belo Horizonte: Ed. PUC Minas, 2009, p. 171-184.

    TAVARES, L.; RADECKI, W. Contribuição experimental à psychologia dos juízos. in: ANNAES da Colônia de Psychopatas em Engenho de Dentro. Rio de Janeiro, 1928. p. 245-

    TAVARES, L. Psychologia do pensamento: ensaio crítico e analytico baseado no systema do discriminacionismo affetivo de Radecki. Rio de Janeiro: Laboratório da Colônia de Psychopatas do Engenho de Dentro, 1930.

    TAVARES, L. À margem da psychologia. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 1 mar.1931. p. 12.

     

    Autoria do verbete:

    Ana Maria Jacó-Vilelaé professora associada da UERJ, coordenadora do Programa de Estudos e Pesquisas em História da Psicologia ¿ Clio-Psyché.

    Filipe Degani-Carneiroé doutorando do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da UERJ.

     Maria Cláudia Novaes Messias é mestreem Psicologia Social ¿ UERJ.


Maria Judith Zuzarte Cortesão (1914-2007)

  • Judith, nascida Maria Judith Zuzarte Cortesão, gostava de ser chamada simplesmente pelo seu segundo nome, prescindindo, no tratamento pessoal, dos muitos títulos que obteve. Foi uma mulher única, por sua personalidade irrequieta, criativa, inteligente, múltipla e generosa e por sua trajetória de vida, que é aqui contada brevemente, pela visão de uma aluna e discípula sua. Nasceu em 31 de dezembro de 1914, na cidade do Porto, Portugal e veio a falecer em 25 de setembro de 2007, em companhia de alguns de seus oito filhos, em Genebra. Filha do historiador Jaime Zuzarte Cortesão, aos 17 anos deixa Portugal, com a família, em razão de perseguição política, pelo governo ditatorial daquele país. Exilam-se em vários países europeus até chegarem ao Brasil em 1940, quando Jaime vem pesquisar a história da formação territorial do país. Nesse período, convivem com importantes nomes da intelectualidade brasileira, como Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Sérgio Buarque de Holanda, Assis Chateaubriand e Cecília Meireles, o que viria a influenciar a formação de Judith.

    Judith reside ainda no Peru e no Uruguai. No Brasil, casa-se com Agostinho da Silva, também português, que abandonara a terra natal também por motivos políticos. Eles têm oito filhos e residem sucessivamente em Itatiaia, RJ, em Santa Catarina e no Uruguai, onde já separada do marido, durante o regime militar, no início dos anos 1970, Judith é presa e torturada, sob a acusação de ligação com os guerrilheiros tupamaros.

    Na década de 1980, estabelece-se em Brasília, mudando-se nos anos 1990 para a cidade do Rio Grande, Rio Grande do Sul, em cuja Universidade Federal (FURG), foi professora de Educação Ambiental Marinha no primeiro Programa de Pós-graduação[1] em Educação Ambiental brasileiro. Judith dedicou-se academicamente a diversas áreas do conhecimento durante sua longa vida, dentre as quais Neuroendocrinologia, Matemática, Genética, Reprodução Humana, Climatologia, Antropologia, Espeleologia e Ecologia, além de Letras. Ministrou aulas em diversas universidades, entre elas, Université Paris-Sorbonne, onde também doutorou-se em Letras, Université de Nanterre, Université de Caen na França; Open University, Grã-Bretanha; Universidades portuguesas de Lisboa, de Aveiro, de Trás-os Montes, de Évora e do Porto; e na Universidade Federal do Rio Grande, Brasil.

    Cidadã de ideias mais do que de países, como a definiu o intelectual português Manuel António Pina, ela escreveu dezesseis livros, entre eles "Pantanal Pantanais" e "Juréia, a Luta pela Vida". Participou da elaboração de seis filmes, tais como "Taim a Reserva Gaúcha", de Lyonel Lucini, "EMAS: Parque Nacional do Cerrado", "O Último Estuário" e "O Mundo Natural do Cerrado". Foi uma das criadoras do programa Globo Ecologia e da Ong ARCA, e consultora das Ongs SOS Mata Atlântica e Instituto Acqua. Além desse ativismo ambiental, ela idealizou, como médica, o Centro de Informação e Formação de Médicos e Cirurgiões de Doenças do Aparelho Locomotor de Brasília, no Hospital Sarah Kubitschek, e representou o Brasil em diversas comissões, que serão listadas à parte, senão, como ela diria, ficaria esta lista, assim em meio ao texto, uma coisa antiestética. Aliás, arte e estética faziam parte dos seus conhecimentos e compunham as suas metodologias de ensino, orientando os fluxos de pensamento individual e coletivo.

    Atavicamente ligada ao mar, (era velejadora e uma grande marinheira, falava aos seus alunos de vivências na Ilha da Madeira), participa diretamente na criação do Museu Antártico e presta consultoria ao Museu Oceanográfico Professor Eliezer de Carvalho Rios e ao Ecomuseu da Ilha da Pólvora, todos em Rio Grande. Na década de 1990, desenvolve diversas pesquisas dentre as quais se destacam as realizadas na Estação Ecológica do Taim, o Projeto Asas Polares, o Projeto Mar de Dentro, que objetiva despoluir e preservar as águas da Laguna dos Patos e seus ecossistemas. Foi inspiradora do Projeto Museu do Pão, ativo, hoje na cidade gaúcha de Ilópolis. Propõe o Projeto Alfabetização de Mulheres Pescadoras, tendo composto o livreto de alfabetização de adultos: Viva o Mar; Viva o Povo que Vive do Mar. É autora da poesia / oração Pater Noster ecológico, encontrada na obra de Moraes, 2014, escrita como presente ao amigo, oceanólogo e diretor dos citados museus náuticos Lauro Barcellos.

    Para Judith, a necessidade e a vontade de ação, assim como a militância e o espírito aventureiro nunca se desligaram de uma insaciável sede de conhecimento, acompanhada do respeito absoluto a todo e qualquer partner na ação de conhecer. Á cada ação, Judith imprimia um otimismo que ensejava a persistência para planejar e executar tarefas tão diversas, quanto a sua própria formação. Ações sempre perpassadas pelo olhar profundamente humanista. Dotada de uma visão e uma postura sempre à frente do seu tempo, compreendeu e difundiu a necessidade de preservação ecológica antes mesmo de o ambientalismo se tornar um movimento organizado, já desde os anos 1980.

    Participa das duas primeiras expedições brasileiras à Antártida, em 1982 e 1983. Durante as viagens, Judith coordena 40 projetos de pesquisa chancelados pela Secretaria de Meio Ambiente ¿ SEMA, além da expedição ao arquipélago de São Pedro e São Paulo, anos depois. Em 2002, já com a saúde bastante debilitada, planeja uma 2ª expedição (que não chegou a concretizar-se) a este arquipélago. Disso resta-nos talvez a última lição dessa grande dama da Ciência, do Conhecimento, da Ecologia e do Mar: não parar a espera da morte; antes deixar que ela nos alcance em meio a planos e projetos. É um modo de seguir vivendo neles.

    Preservação, para ela, significa pensar a integração homem ¿ natureza, tendo em vista as necessidades das comunidades humanas, sendo dever do pesquisador e do intelectual trabalhar para melhorar a qualidade de vida das populações, integradas ao ambiente natural, principalmente num país tão desigual como o Brasil, na perspectiva da própria comunidade, mas pensando-a globalmente. Ecologia na sua visão é um conhecimento construído, multifacetado, envolvendo relações dinâmicas, que devem ser entendidas á luz do passado, e contextualizadas no presente, tendo em vista o futuro. Pensava assim, integradamente, tanto o tempo, como os espaços. Falava em microcosmo, mesocosmo e macrocosmo, relacionando-os, sendo o mesocosmo o espaço onde nos movemos, onde devem coexistir animais, homens, plantas e todos os seres vivos; natureza e sociedade; desenvolvimento e conservação, numa grande e complexa teia da vida. Nada está separado e tudo se une, mas não mediante uma simetria simplória; mas numa parassimetria, ou seja, uma simetria além das primeiras aparências. Ela procurava em seus estudos essa parassimetria.

    No documentário Intérpretes do Brasil, ao tratar de aspectos da colonização, Judith dá um exemplo desta sua visão integrada, integradora e não óbvia das relações sociais e do devir histórico. Trata-se de aspectos da colonização brasileira e da mentalidade portuguesa da época do descobrimento, "lidos" a partir da beleza da ecologia marinha: "Os relatos [dos portugueses] falam da transparência das ondas e dos pequenos peixes rubros. Aquelas ilhas representavam o triunfo da vida sobre a matéria (...), eram cheias de coisas extraordinárias. Tudo isso é natural que tenha levado os navegadores ao mito, que tenha feito com que o Brasil, pela circunstância do esplendor e da variedade de sua paisagem, virasse a terra, por excelência, do mito" (FERAZ, 2001).

    Por ocasião da Assembleia Nacional Constituinte brasileira, onde foram votadas leis atinentes ao meio ambiente, ela circulava com bom humor e ânimo permanentes nos corredores do Congresso Nacional, arrebanhando, nas suas palavras "ecoespiões", ou parceiros para a causa do meio ambiente, que era entendido por ela na sua acepção mais ampla e complexa, como formado pelas relações humanas, sociais, ecológicas, econômicas, macroeconômicas, entre outras. Ecoespiões era uma metáfora sua para apontar a importância de ouvir, conhecer e entender aquele que pode afigurar-se como adversário, sempre na busca por avançar rumo à compreensão omnilateral das questões ambientais.

    Seja num espaço amplo de definições maiores como a Assembleia Constituinte, ou numa escola básica, a sua vontade de formar "agentes multiplicadores de educação ecológica", fossem crianças ou jovens universitários, moradores das comunidades, políticos ou qualquer pessoa, foi incansável.

    Nas palavras da socióloga Maristela Bernardo: "Essa é a Judith, digamos, do curriculum vitae. Mas não revela o essencial, que ficou impresso na história de milhares de pessoas que ela influenciou" (BERNARDO, 2007). Os que conviveram com ela tiveram uma experiência transcendente de profissionalismo e amizade (para ela não são coisas dissociadas). O fruto da convivência com a profa. Judith inseria invariavelmente a pessoa num contexto maior, parafraseando Paulo Freire, abria e apontava a possibilidade do "ser mais / ser melhor", que ela advogava para todos, fosse quem fosse.

    Outro trecho de Maristela sobre Judith diz: "Simples e frugal, Judith não era professoral nunca, não constrangia ninguém com sua bagagem acadêmica e intelectual, não tinha pose. Conversava com todos, de crianças a ministros, com a mesma generosidade e interesse. Gostava de pessoas e achava sempre alguma graça nelas. Via além de limites e alinhamentos ideológicos, estéticos, etários, profissionais; das discriminações que em geral usamos para defender nosso espaço, nosso "lado" na vida. Judith não respeitava essas fronteiras, não vetava ninguém. Sofreu algumas birras de burocratas, a quem enlouquecia com seus métodos heterodoxos de agir dentro do Estado, mas parecia não se importar. A passagem dessa mulher excepcional pelo Brasil foi sempre de um frescor, de um viço únicos. Suas lições estão menos nos livros que escreveu e nas instituições que idealizou do que na vida das pessoa/s que tocou, muitas vezes sem que elas se dessem conta" (BERNARDO, op cit. 2007).

    Isto porque segundo Clayton F. Lino "Ela nunca falava com o cargo, ela falava com a pessoa. Então, era um relacionamento humano, em todos os sentidos. Você via almirantes trocando confidências com a Judith da mesma maneira que o pescador, um indígena ou um ambientalista. E essa facilidade dela de falar com as pessoas e ir encantando, isso teve um peso muito grande" (Superinteressante, 2011).

    As casas da doutora Judith, (no plural pois seu ímpeto aventureiro e ativista não lhe permitiam deixar-se ficar por muito tempo no mesmo lugar), eram centros de Ecoespionagem... onde se conspiravam projetos. Gostava muito de receber e de servir à mesa. As aulas-chá-da-tarde eram excepcionais ocasiões de convívio e aprendizagens. Gostava também de presentear amigos, alunos e quaisquer pessoas que a providência ou o acaso colocassem em seu caminho. Acima de tudo, nutria paixão por ensinar e por seus alunos, vendo em cada um, algo de especial e essencial. O seu encanto pessoal fazia parte da sua estratégia de conseguir parceiros, ou "conspiradores" em favor do meio ambiente.

    De acordo com Lauro Barcellos, amigo íntimo da doutora, (em entrevista ao jornalista Péricles Gonçalves, 2014), para Judith o servir é a mais importante virtude humana, em seguida vem a virtude de compadecer-se de todas as criaturas, sendo a terceira virtude a capacidade de maravilhar-se com o mundo, com a Natureza e com o ser humano, e só então vem a virtude do saber. Ensinava esses valores com doçura e bondade irrestritas, dispensando tratamento igual a todos. Em que pese seu vasto cabedal de conhecimentos e atuação, procurava exercer e ensinava o valor da modéstia, que em sua opinião está relacionada à inteligência. Já a virtude da humildade relaciona-se à santidade. Munida desses conceitos, com sua sensibilidade fora do comum, aposta absolutamente no ser humano, captando o que as pessoas têm de melhor, propiciando ao seu interlocutor construir-se e reconstruir-se. A personalidade da Judith é tão magnética, que hoje, pessoas desconhecidas entre si, mas que privaram da sua convivência, nas suas muitas andanças, sentem-se irmanadas pela aura e pela energia da mestra.

    Judith era, como se vê, uma visionaria. Nas palavras de Touguinha, um seu amigo próximo e parceiro em projetos: "Com Judith Cortesão descobrimos o mais esquecido dos direitos, o direito de agir de acordo com aquilo em que se acredita" (TOUGUINHA, 2008). Segundo, ele, um dos seus últimos desejos, já com idade avançada, foi o de conseguir uma bolsa de estudos para estudar Teologia Ecumênica na Suíça, tendo em mente que "todas as crises que afligem a humanidade seriam resolvidas com o Ecumenismo e com o dialogo inter-religioso" (Op cit., 2008).

    Já muito doente e fragilizada, Judith muda-se para a Suíça em 2002, para cuidar da saúde e para, nas palavras dela: "estar com os meninos" (os filhos e filhas), já que a maioria deles vive na Europa. Em 2003, retorna ao Brasil para receber do presidente Lula a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cultural Brasileiro. Nessas ocasiões de receber prêmios, homenagens e condecorações mais uma face de sua encantadora personalidade mostrava-se: recebia esses prêmios com genuína alegria e espírito de congraçamento. Em 2007, morreu na Suíça, sem deixar fortuna, a não ser a grandiosa coleção de livros e de peças de artesanato. É difícil qualificar e impossível quantificar o seu legado, mas seu exemplo de vida ensina sobre o esplendor e a interdependência da vida no planeta, alertando e conclamando a todos para estarem atentos para os deveres que este esplendor implica.

    Assim, quando se encerrou sua existência neste plano, o escritor Gil B. Martins escreveu: "Mais do que morrer, morreu-nos Judith Cortesão" (MARTINS, 2007), porque sua morte, assim como sua vida não são eventos banais ou triviais; ao contrário, são de grande impacto em todos os que tiveram o privilégio de conhecê-la.

    Comissões

    Comissão sobre o Patrimônio da Humanidade (Canadá), Comissão Internacional da Baleia (Japão), Comissão Internacional dos Oceanos (Rio de Janeiro), Convenção das Nações Unidas sobre a Poluição Marinha de Origem Terrestre (Quênia), Convenção das Nações Unidas para a Conservação de Espécies Animais Silvestres Migratórios (Genebra). Acompanhou missões da Unesco em Portugal e no Brasil, e representou o Peru, o Uruguai e a Inglaterra em congressos sobre assuntos tão diversos como medicina, literatura e educação.

    Prêmios e títulos

    Recebeu diversos prêmios e homenagens, entre eles: o 1º Prêmio Nacional de Museologia, pelo projeto do Museu Terra/Homem, 1º Prêmio Nacional do Filme Científico por "Emas Parque Nacional do Cerrado", ganhou o título de Heroína Nacional, outorgado pelo Senado, em razão da sua participação na 1ª e 2ª viagens do Barão de Tefé à Antártida, e o de Cidadã Honorária da Cidade do Rio Grande. Recebeu o Prêmio Alvorada, do Governo do Distrito Federal por contribuir à cultura de Brasília, o Prêmio da NASA por uma vida dedicada ao intercâmbio científico nacional, o Prêmio Muriqui, da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, reconhecido como uma das mais importantes homenagens às ações ambientais no país e, finalmente, a Ordem do Mérito Cultural, concedida pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e pelo Ministro da Cultura, Gilberto Gil, que homenageia personalidades e instituições voltadas à valorização da cultura.

     

    Fontes:

    BARCELLOS. L. J. P. Entrevista concedida ao jornalista Péricles Gonçalves, na TV FURG em 26/11/2014. Disponível em: http://bibliotecasalaverde.blogspot.com.br/p/judith-cortesao.html, acesso em 04/02/2015.

    BERNARDO. M. O tempo e Judith, a Ecoespiã. Repositório FGV de Periódicos e Revistas. Disponível em http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/pagina22/article/view/33633, acesso em 19/02/2015.

    CORTESÃO. M. J. Z. Viva o Mar; Viva o Povo que Vive do Mar. Apostila, 199(?).

    FERRAZ. I. G. Documentário Intérpretes do Brasil. Mídia: DVD duplo, 2001/2002.

    MARTINS. G. B. Crônica publicada no Jornal Agora. Edição de 29 e 30/09/2007.  http://edicoesanteriores.jornalagora.com.br/site/index.php?caderno=46&noticia=43182, acesso em 03/03/2015.

    MORAES. C. R. O que é Educação Ambiental. São Paulo, All Print, 2015.

    Notas de aula da disciplina de Educação Ambiental Marinha, 2º semestre de 1999.

    PINA. M. A. Judith Cortesão, Blog Caminhos da Memória, 2008, Disponível em: https://caminhosdamemoria.wordpress.com/2008/10/22/judith-cortesao/, acesso em 25/02/2015.

    Revista Superinteressante. Edição 154, fevereiro de 2011. Disponível em:

    http://www.superinteressante.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=444:matriarca-do-ambiente&catid=6:artigos&Itemid=80, acesso em: 05/03/2015.

    Site do Município de Ilópolis, RS. http://www.ilopolis-rs.com.br/site/noticia.php?id=44, acesso em 10/02/2015.

    Site da Sala Verde do Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental, FURG. Disponível em: http://bibliotecasalaverde.blogspot.com.br/p/judith-cortesao.html, acesso em: 22/01/2015.

    TOUGUINHA. M. L. S. Em resposta ao texto de Manuel António Pina, no blog https://caminhosdamemoria.wordpress.com/2008/10/22/judith-cortesao/, acesso em 25/02/2015.

    Autoria do verbete:

    Núbia da Silva Martinelli é mestre em Educação Ambiental (FURG) e doutoranda em Educação em Ciências. Trabalha no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Campus Rio Grande.


    [1] Hoje o Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental ¿ PPGEA, da Universidade Federal do Rio Grande mantém, junto à sua biblioteca setorial, a Sala Verde Judith Cortesão, que reúne o acervo da doutora, composto de livros, manuscritos, peças de artesanato, vídeos, entre outros objetos. Além desta Sala Verde, a doutora Judith também empresta seu nome à Sala Verde do município paranaense de Loanda.


Rosa Virgínia Barreto de Mattos Oliveira e Silva (1940-2012)

  • A linguista histórica brasileira Rosa Virgínia Barreto de Mattos Oliveira e Silva nasceu em 27 de julho de 1940 em Salvador  Bahia e faleceu na mesma cidade no dia 16 de julho de 2012.  Sempre que indagada sobre a sua opção pelos estudos históricos do português, dizia que, "ainda na sua graduação logo no início dos anos sessenta do século passado, foi mordida, definitivamente, pela história da língua". De lá até muito recentemente, essa mordida das veredas históricas do português em Rosa Virgínia, não deixou de produzir os melhores frutos para a linguística brasileira. Descrever minuciosamente a história do português quer seja brasileiro ou europeu, como uma arqueóloga da língua, escavando os meandros históricos pelos quais essa língua percorre(u) desde a Idade Média até bem pouco tempo atrás, sempre esteve no horizonte teórico-metodológico e acadêmico da linguista brasileira Rosa Virgínia Barreto de Mattos Oliveira e Silva.

    Atenta não só com as questões da ciência linguística, mas com os problemas sociais, a linguista sempre se preocupou também em refletir sobre as contribuições da linguística histórica para o ensino de português na escola. Defendia com veemência que a pesquisa acadêmica não poderia estar distante da sala de aula de português. Em um texto ainda inédito no qual relata o seu início de carreira a uma amiga, Rosa Virgínia disse: "Olha, muita gente está alfabetizando pelo Brasil e poucos se dedicam ao passado da língua portuguesa. No meu caso, tanto posso alfabetizar, como pesquisar o português do período arcaico". Essa fala deixa bastante claro que pesquisa em linguística diacrônica e ensino do português sempre estiveram na densa e produtiva agenda trabalho de Rosa Virgínia.

    A professora Rosa Virgínia doutorou-se em linguística pela Universidade de São Paulo em 1971. Embora sua tese esteja inscrita no domínio da filologia, Rosa Virgínia desenvolveu pesquisas que não se deixam se circunscrever nesse domínio apenas. Desde muito cedo, estabeleceu um rico diálogo com outras áreas da linguística como a Sociolinguística e a Dialetologia. Foi Professora Titular e Emérita da Universidade Federal da Bahia ¿ UFBA e Pesquisadora 1 A do CNPq. Foi fundadora do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da UFBA. Publicou mais de 60 artigos em renomadas revistas brasileiras e estrangeiras, 18 livros e 40 capítulos de livros. Vários desses livros, capítulos e artigos foram publicados em Portugal e são consultas obrigatórias aos pesquisadores da área.

    Dentre os inúmeros trabalhos publicados que merecem destaque estão, por exemplo, a publicação, em co-autoria com Nelson Rossi e Dinah Calou, do Atlas Prévios do Falares Baianos APFB (1963): primeiro atlas linguístico publicado no Brasil e referência ainda atual para estudos na área de dialetologia e sociolinguística. O livro O português arcaico: fonologia, morfologia e sintaxe, publicado em 2006, é outra obra da autora que merece destaque. Trata-se também de uma obra de referência obrigatória para os estudiosos do português (brasileiro e europeu). Orientou 23 dissertações de mestrado, 12 teses de doutorado e um grande número de trabalhos de iniciação científica. Muitos de seus ex-orientados são linguistas internacionalmente (re)conhecidos.

    Desde 1990 trabalhou com muito afinco para a consolidação Programa para a História da Língua Portuguesa (PROHPOR) - http://www.prohpor.org/. Projeto que reúne pesquisadores das mais variadas tendências linguísticas e tem como objetivo central o estudo da constituição histórica da língua portuguesa, desde o período arcaico, infletindo, a partir do século XVI, para a investigação do português brasileiro. Ademais, o Programa para a História da Língua Portuguesa (PROHPOR) serviu de inspiração para a criação de diversos outros projetos similares no âmbito do português histórico brasileiro. Rosa Virgínia contribuiu decisivamente para a implementação e consolidação dos estudos diacrônicos do português na linguística brasileira.

    Sua partida inesperada no inverno de 2012, precisamente em 16 de julho, na capital baiana, faltando pouco mais de uma dezena de dias para o seu septuagésimo segundo aniversário, deixou a linguística brasileira, sobretudo, no âmbito dos estudos diacrônicos, além de mais triste, um pouco como uma história "à beira da falésia"[1], ou seja, entre a certeza, a inquietude e elãs muito otimistas.

     

    Fontes:

    Currículo Lattes

     http://lattes.cnpq.br/3149705136297230

     

    "Rosa Virgínia Mattos e Silva: sobre a vida e a obra de uma linguista histórica brasileira",  conferência apresentada por Américo Venâncio Lopes Machado Filho no XVII Congresso Nacional de Filologia e Linguística, no dia 27 de agosto de 2013, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).  Este texto pode ser acessado no endereço http://www.gruponemesis.ufba.br/sites/gruponemesis.ufba.br/files/conferencia_xvii_cnfl.pdf

     

    Autoria do verbete:

    Roberto Leiser Baronas é professor no Departamento de Letras, no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de São Carlos ¿ UFSCar e pesquisador do CNPq. E-mail baronas@ufscar.br



    [1]Expressão tomada de empréstimo do título do livro do historiador francês Roger Chartier "À beira da falésia: a história entre certezas e inquietude", publicada pela Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS em 2002. 


Sonia Gumes Andrade (1928 - )

  • Sonia Gumes Andrade nasceu no município baiano de Caetité em 1928, em uma família letrada, com grande influência cultural na cidade. A mãe, Marieta Gumes era professora, filha de Maria Teodolina das Neves Lobão, primeira professora de Caetité a lecionar para uma classe de homens, entre os quais, encontrava-se Anísio Teixeira. O pai, Huol Gumes, jornalista e funcionário público, era filho de João Antônio dos Santos Gumes, professor, escritor, e jornalista, que fundou em 1897, "A Penna", primeiro jornal do alto sertão baiano, que circulou com regularidade, com alguns períodos de interrupção, até a sua morte em 1930, vindo a ser extinto em 1943.

     

    Filha mais velha de três irmãs (a primogênita falecera aos dois anos), Sonia se mudou para Salvador em 1941, estimulada pela avó Maria Teodolina, com quem foi morar, para prosseguir os estudos na capital. Entre 1941 e 1947, ela fez os cursos ginasial e científico no Ginásio da Bahia (atual Colégio Estadual da Bahia), e, em 1948, também motivada pela avó, ingressou na Faculdade de Medicina ¿ incorporada à Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 1965 ¿, onde se diplomou em 1953.

     

    Nesse mesmo ano, a jovem médica casou com Zilton Andrade, que conhecera durante o curso médico, e que àquela altura retornava da residência médica em patologia na Tulane Universty School of Medicine, e se tornou professor da Faculdade de Medicina da Bahia.  Juntos eles tiveram seis filhos, e são casados até hoje.    

     

    Desde muito cedo em sua formação médica, Sonia se aproximou da patologia, realizando atividades discentes no Hospital das Clínicas como estagiária (1950-1951) e interna por concurso (1952-1953) na 2ª Cadeira de Clínica Médica. Ao mesmo tempo, foi atraída para o Instituto de Saúde Pública, incorporado à Fundação Gonçalo Moniz, fundada em 1950 pelo governador Otávio Mangabeira. O Instituto funcionaria simultaneamente como um laboratório central de saúde pública, e um laboratório de pesquisas biológicas, instituído este por Otávio Mangabeira Filho, que fora pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro.

     

    Ali, Sonia, junto com Zilton ¿ que já integrava como patologista o Laboratório de Anatomia Patológica criado sob a supervisão do veterinário Paulo Dacorso Filho ¿, teve a oportunidade de frequentar, entre 1951 e 1952, o Curso de Aperfeiçoamento Técnico. Ministrado por renomados professores e pesquisadores do Rio de Janeiro e São Paulo, o Curso tinha como propósito o aprendizado e o treinamento prático de técnicas básicas de pesquisa em diversos campos: bacteriologia, micologia, helmintologia, entomologia, protozoologia, histologia e anatomia patológica.

     

    Essa experiência levaria Sonia a se aproximar da pesquisa experimental, inicialmente como estagiária e assistente voluntária (sem remuneração), no Laboratório de Patologia, chefiado por Zilton Andrade, e em 1965, como patologista contratada, com bolsa do então Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). Nessa função permaneceu até o desaparecimento da Fundação Gonçalo Moniz em 1973, quando o seu próprio Laboratório de Chagas Experimental foi transferido para o Anexo I da Faculdade de Medicina da Bahia. Em 1980, ela ¿ junto com outros pesquisadores da Faculdade de Medicina ¿ retornaria às antigas instalações da Fundação Gonçalo Moniz, onde passou a funcionar o Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz, fruto de um convenio celebrado, em 1979, entre a Fundação Oswaldo Cruz, a Universidade Federal da Bahia, e a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, cujo primeiro diretor foi Zilton Andrade.

     

     Embora tenha adquirido uma ampla formação em patologia das doenças parasitárias ¿  situando-a na linhagem científica da medicina tropical brasileira, cujo berço foi a Escola Tropicalista Baiana ¿, Sonia Andrade se notabilizou pelos estudos em doença de Chagas experimental.  Seu interesse científico nesse campo se manifestou desde o início de sua integração ao Laboratório de Patologia, onde produziu, em 1955, os primeiros trabalhos, em co-autoria com Zilton: "A patologia da doença de Chagas (forma crônica cardíaca)" e "A patogenia da miocardite crônica chagásica (a importância das lesões isquêmicas)", publicados, respectivamente, no Boletim da Fundação Gonçalo Moniz, e Arquivos Brasileiros de Medicina.

     

    Nos anos 60, seus estudos se consolidariam em torno das diferentes cepas do Trypanosoma cruzi, resultando em trabalho original, publicado na Gazeta Médica da Bahia em 1970, em que propõe a classificação das cepas conforme os caracteres biológicos e histopatológicos do protozoário em tipos biológicos ou biodemas (Tipos I, II e  III). Nas décadas seguintes, a pesquisa evoluiria no campo da patologia experimental e da imunopatologia da doença de chagas em diferentes modelos experimentais,  ampliando o foco de atuação do Laboratório, transformado, em 2003, em Laboratório de Chagas Experimental, Autoimunidade e Imunologia Celular (LACEI). Desde então, reúne um grupo de pesquisadores e alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado, dedicados ao desenvolvimento de projetos sobre processos patológicos e a resposta aos quimioterápicos, além de desenvolver investigações sobre a regulação do sistema imune em diferentes condições, como nas infecções e doenças autoimunes, visando o tratamento com terapias celulares em humanos com diferentes tipos de patologia.

     

    Após uma longa experiência como pesquisadora, com estágios de pesquisa em centros e universidades estrangeiras, como Case Western Reserve University eCornel University Medical College, National Institute of Health, Sonia Andrade realizou o curso de doutorado em patologia humana na UFBA, entre 1984 e 1986, dirigindo-se em seguida para um estágio pós-doutoral no Instituto Pasteur de Lyon, onde permaneceu entre 1986 e 1987.

     

    Paralelamente à pesquisa, Sonia se dedicou à docência desde que se formou, exercendo essa atividade na cadeira de Anatomia Patológica e Medicina Legal da Faculdade de Medicina. Foi efetivada por concurso público como professora assistente em 1973. Nesse mesmo ano, foi fundado por Zilton Andrade o curso de pós-graduação em patologia humana (sediado no Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz/Fiocruz em 1980), inicialmente em nível de mestrado, e, em 1989, em nível de doutorado, ao qual Sonia se integrou como docente, assumindo a coordenação entre 1975 e 1995.

     

     

    Conceituada em sua área de atuação, Sonia tem 124 artigos publicados em importantes revistas nacionais e internacionais. Até 2004 foi bolsista de produtividade em pesquisa 1-A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do qual foi membro de Comitê Assessor entre 1986 e 1987, e coleciona uma série de prêmios e títulos científicos: o Prêmio e Medalha Samuel Pessoa da Sociedade Brasileira de Patologia (1987); Medalha do Centenário do Instituto Oswaldo Cruz (2000); diploma de Honra ao Mérito pelos inestimáveis serviços prestados a saúde pública e ao desenvolvimento da ciência da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia (2008); medalha do Centenário da descoberta da Doença de Chagas (2009); professor emérito da Universidade Federal da Bahia (2011); pesquisadora emérita da Fiocruz (2012). 

     

    Ela também integra várias associações científicas nacionais: sócia emérita da Sociedade Brasileira de Patologia (2013); Academia de Medicina da Bahia (1998); Sociedade Brasileira de Medicina Tropical;Sociedade Brasileira de Parasitologia;

     

    Sonia Andrade se aposentou como professora adjunta da Universidade Federal da Bahia em 1995, e no ano seguinte como pesquisadora titular do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz, onde até os dias atuais permanece trabalhando em seu laboratório.

     

    Fontes:

    Andrade, Sonia Gumes. Evolução dos estudos experimentais aplicados à área médica na Bahia. Gazeta Médica da Bahia, 77:2 (jul-dez), p.245-254, 2007

    _____. Sonia Gumes Andrade. Depoimento, 2014. Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Apoio CNPq.

    _____. Memória dos 20 anos do curso de pós-graduação (mestrado) em patologia humana. Mimeo. s/d.

    Moura, Mariluce; Bandeira, Cláudio.  Um cientista tranquilo. Entrevista Zilton de Araújo Andrade. Bahiaciência, maio/junho 2014, ed. nº1, p. 8-15

     

    Autoria do verbete:

    Nara Azevedo é doutora em Sociologia, professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências /Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz.